sábado, 16 de agosto de 2014

Amor e Narcisismo em Freud e Fromm



Você está parcialmente correto: mais precisamente, Fromm não supõe que existe outro tipo de amor além do neurótico, pois ele nem sequer considera o "amor neurótico" como uma forma de amor (no sentido lato do termo). Antes de mais nada, Fromm é acentuadamente influenciado pelas ideias de Spinosa e, a partir deste, concebe que o amor é sempre uma forma de "afeto ativo", isto é, basicamente uma ação (com finalidade em si mesma) que define a mais alta expressão da "potência do ser", ao contrário dos "afetos passivos", como inveja, ciúmes, irá, ou medo, que são sempre reativos a alguma frustração/decepção/desilusão. Para Spinosa, a grosso modo, amor, liberdade, ação espontânea, e alegria são praticamente sinônimos, pois somente quando amamos agimos a partir do centro ativo mais íntimo de nossa personalidade, expandindo-a (ou seja, aumentando a expressão da nossa potência); por outro lado, os afetos passivos são reações que diminuem a potência do ser, tornando-o reativo, defensivo e impotente, em suma, um escravo de emoções não controladas. Daí se segue que para Fromm, o amor é uma realização ou conquista da maturidade, que somente pode ser alcançada através da superação da orientação narcisista de mundo (aquela que reduz o vasto espectro das experiências à experiência única e singular do próprio eu, utilizando-se invariavelmente dessa solitária referência como "termômetro" ou "balança" para medir, regular, avaliar, julgar todos os aspectos e componentes da realidade externa - o que termina obviamente por distorcê-los). Deste modo a maturidade pressupõe como condição a noção de alteridade, e o amor, concebido enquanto a "única resposta sadia e satisfatória ao problema da existência humana", se desenvolve basicamente pela integração e incorporação dos princípios de cuidado, responsabilidade, respeito e conhecimento do, com, sobre e pelo(s) outro(s).

A rigor, não considero nada disso incompatível com a visão de Freud, que em realidade é apenas muito mais modesta e humilde (e sofre também menor influência do humanismo renascentista) que a de Fromm. Todos sabemos que a teoria de Freud não comporta propriamente um ideal ou noção descritiva de saúde psíquica (o que a meu ver é um problema grave!). Na melhor das hipóteses, eu consigo pensar que a "ambição terapêutica" de Freud ou o funcionamento "mais desejável" (se me permitem dizer assim) é o menos rígido e compulsivo, ou seja, aquele comportamento que não é sobredeterminado por elementos inconscientes (sejam eles desejos ou mecanismos intrapsiquicos de interdições). É isso que qualifica a conduta como neurótica, em detrimento de outras posturas mais livres ou menos condicionadas. Neste sentido a "saúde possível" e a maturidade caminham e crescem juntamente com a descoberta e a integração, sempre intermediadas pelo incremento da consciência/razão analítica, destes elementos inconscientes. Isso tudo sob uma perspectiva de "resolução" de demandas a rigor inconciliáveis (em absoluto) provindas do id, do superego cultural e da realidade exterior tomada enquanto natureza selvagem e hostil. Em poucas palavras, flexibilidade/elasticidade mental é a melhor resposta que Freud oferece aos problemas da existência e o que de melhor poderíamos esperar de um ego maduro é que ele seja um bom negociador/conciliador de demandas.

P.s: é notória e significativa a meu ver as similaridades entre o esquema filosófico de Spinosa e a teoria clínica de Winnicott.

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