Lendo este texto do Dunker, eu me recordo de um trecho particularmente ácido do livro de Russell Kirk, onde o mesmo cita um comentário de T.S Eliot a respeito da influência de George Bernard Shaw no pensamento do século XX:
"Entretanto, a influência imediata - digamos - do sr. Bernard Shaw, no período em que sua influência foi mais potente, suponho, no início deste século, deve ter sido mais perceptível, e mais amplamente difundida, do que a de mentes muito mais distintas; somos compelidos a admirar um homem de tal agilidade verbal, não só por esconder dos leitores e audiências a superficialidade de seu pensamento, mas por persuadi-los de que, ao admirar sua obra, igualmente davam provas das próprias inteligências. Não digo que Shaw poderia ter alcançado o sucesso sozinho, sem as mentes mais rasteiras e laboriosas às quais ele se associou; mas, ao persuadir os incultos de que eram cultos, e aos cultos de que deveriam ser socialistas, contribuiu significativamente para o prestígio do socialismo. De qualquer forma, entre a influência de Bernard Shaw ou um H.G. Wells, e a influência de um Coleridge ou um Newman, sou incapaz de conceber qualquer medida comum".
Seria Dunker uma nova espécie de Bernard Shaw, que esconde por trás de suas pomposidades e malabarismos retóricos um raciocínio da profundidade de um pires? Se levarmos em consideração exclusivamente este texto, eu diria que sim...
"A nova esquerda defende o corte, a suspensão, a retomada da lógica do conflito. Sem ela não haverá mais lugar para a dissonância que não no ato de violência, na encruzilhada das ilusões. O choque narcísico vivido pelos imigrantes, refugiados, excluídos e pelas demais formas de vida primitivas ou ultrapassadas, nada fica a dever ao heroísmo de nossos próprios ídolos. Eles acham que vão sair voando, e às vezes fazem por onde. Eles se revoltam contra o sistema, ignorando suas transformações. Só que a eles não concedemos a virtude da ignorância. Não vamos dar o Oscar para eles, nem exterminá-los como eles fazem conosco, não vamos fazer nada até que entendamos que eles são intimamente como nós".
Essa tal nova esquerda (que não passa de uma tentativa patética de um casamento inviável entre Marx e Lacan), da qual Dunker se faz porta-voz é uma aporia. Um filho desse casamento é impossível, pois deturpa completamente a essência de mensagens entre si absolutamente incompatíveis (tanto de Freud quanto de Marx - levando em consideração a possibilidade questionabilíssima de considerarmos ainda Lacan um Freudiano).
Além disso, psicologizar um conflito cultural deste nível, defendendo a hipótese de um "fundamentalismo narcísico" é de uma incongruência atroz. Se assim fosse, como poderíamos explicar o fundamentalismo enquanto um fenômeno sistêmico e não episódico? Dunker faz todo um malabarismo para tentar repudiar o que qualquer esquerdista convicto é incapaz de negar (tanto em livros como em comportamentos),
"Portanto quem acha que os atentados são coisa de quem está querendo voltar para a Idade Média, de que sua mensagem representa um anseio de retorno a valores sólidos, comunitários e estáveis, que falaciosamente a esquerda estaria defendendo, está simplesmente equivocado".
e, claro, não consegue. Toda a esquerda se orienta por um projeto cultural coletivo, jamais subjetivo. O espaço que um sujeito tem para ser ele mesmo e desenvolver suas contradições no interior do marxismo é no mínimo o mesmo que ele teria dentro de um ambiente escolástico. Vale destacar que a alienação proposta por Lacan é extremamente mais radical que a alienação proposta por Marx.
Por fim, olha só que pérola:
"É realmente incrível como críticos especializados, que ganham a vida com isso, sejam incapazes de ler: a única forma de salvar os valores originais do liberalismo é reconhecer que a nova esquerda tem alguma contribuição a dar em matéria de formação de convicções. Não se trata do comunismo, nem do socialismo, mas da importância da esquerda radical para o próprio liberalismo".
Valores originais do liberalismo? what a fuck is this?? O "liberalismo", a rigor, representa justamente a liberação (libertação) dos valores originais (tradicionais) do judaico-cristianismo, o sustentáculo da moral no mundo antigo e da civilização ocidental como a conhecemos. Toda a cultura se organiza pela renúncia, pelo impedimento, sendo sua sistematização da moral impingida aos indivíduos por meio coercitivos que distinguem do exterior para o interior (do sujeito) o que é certo e desejável e o que é errado e condenável; sem isso nenhuma cultura sobreviveria, como percebeu Freud. A fundamentação moral apoiada na liberdade enquanto um valor pleno, é uma declaração de guerra aos valores restritivos de toda a organização social e moral antiga (pré-moderna). Qualquer psicanalista deveria ter ao menos entendido isso, e assim saberia o quanto a ética psicanalítica é excludente em relação ao moralismo muitas vezes austero do marxismo.
Neste sentido, do desenvolvimento psico-histórico do ocidente, a esquerda desde Marx até Zizek é sim claramente um movimento regressivo de retorno às comunidades animadas por ideologias coletivas de massa, quer queiram quer não... e por isso, são elas tão criticas ao liberalismo e à "corrupção dos homens pela imoralidade do mercado" - quanto são também críticos os conservadores monarquistas que prefeririam a ordem social feudal à desordem e o caos injetados pela evolução do capitalismo.
Meu conselho de amigo para meus amigos que se importam com o que eu penso e escrevo (e lógico, sintam-se à vontade para passar sem ele): não confie em análises sociológicas promovidas por psicanalistas clínicos; eles não entendem do assunto. Menos ainda quando vinda de "freudo-marxistas"; a aversão destes sujeitos ao que eles entendem por "neoliberalismo" e o sentimento "anti-capitalista" é irracional ao ponto de deturpar completamente suas leituras sobre o desenvolvimento histórico no ocidente. Ir atrás desses caras só irá criar mais confusão e perda de tempo... mas esta é apenas a minha singela opinião, que fica aqui registrada.
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