segunda-feira, 9 de abril de 2012

A aposta de Pascal

      Para aqueles que não tiveram a oportunidade de conhecer a famosa argumentação da aposta de Pascal, terei aqui o prazer de reconstrui-la livremente em sua essência.
      Porém, antes de mais nada, vale a pena comentar que Blaise Pascal nasceu e viveu na França em meados do século XVII e foi, entre muitas outras coisas, um matemático brilhante; ao mesmo tempo, consagrou-se como um dos maiores filósofos apologéticos do cristianismo primitivo. Além disso, foi o autor da célebre passagem incessantemente revisitada na literatura mundial: "O coração tem suas próprias razões que, no entanto, nossa própria razão desconhece".
      A bem da brevidade, Pascal levantou a seguinte hipótese: Digamos que entre Deus e você está havendo um jogo. As possibilidades de sucesso (salvação) e fracasso (danação) neste jogo estão igualmente distribuídas entre 4 diferentes alternativas de aposta, sendo que podemos supôr e apresenta-las da seguinte maneira:
1Voce aposta que Deus existe, mas Ele não existe.
      Neste caso, voce entrega a sua vida em devoção a Deus e de certa maneira a perde, pois se ele não existe também não existirá recompensa pela sua entrega. Contudo, Pascal alega que a vida humana não deve ser alvo de excessiva estima (pois não é algo tão valioso quanto parece); de fato, em uma perspectiva cosmológica, uma vida humana vale tão pouco quanto a de uma formiga ou de uma lagartixa. Mais do que isso: em grande parte do tempo elas são um misto de dor, sofrimento, angústia e desespero ilimitados, dada a nossa brutal insegurança e ignorância diante dos mistérios da existência e pela condição de miséria e fragilidade diante da certeza inexorável e absoluta de nossa própria morte.
2- Voce pode assim apostar que Deus não existe e Ele realmente não existe.
      Agora sim, a primeira vista (de uma análise superficial), parece existir algum tipo de ganho real, afinal, você também não perdeu nada de extraordinário, e se você for ainda uma pessoa potencialmente otimista e feliz, isso significa que você ganhou alguns anos ou décadas de diversão, prazer e distração. Por outro lado, em grande parte, em função de sua vaidade (que te faz julgar a si mesmo como uma pessoa muito interessante e importante) é possível que não tenha conseguido construir nada que seja mais profundo, isto é, nada que vá além de acumular um número enorme de passatempos baratos e diversões passageiras... O fato é que é praticamente impossível contruir algo absolutamente sublime sobre uma base tão efêmera e imediata quanto uma vida humana (esse é um privilégio de uma minoria, isto é, dos gênios), pois digamos que você tenha vivido 40, 50, 80 ou até mesmo 90 anos: bela porcaria! Qual poderia ser o significado e a relevância disso no plano da eternidade? Nenhuma (ou uma ínfima mixaria)! "Tão rápido quanto tu vistes do pó, ao pó tu voltarás", já dizia o antigo testamento.
3- Voce pode então apostar que Deus existe e Ele realmente existe.
      Agora sim, somadas todas as possibilidades envolvidas, o seu ganho é incomensurável - assim como a perda humana ao momento de seu nascimento também foi uma perda incomensurável (pois no mito cristão não se deve esquecer por nenhum momento que se foi um dia expulso de um paraíso). Voce pode até se lamentar pelo fato de ter se divertido menos (ou pouco) e que em muitos momentos a renúncia e a reclusão diante do desejo e da tentação, pareceram um custo demasiado alto. Mas para um mortal, nenhum preço é demasiado alto diante da beatude eterna, isto é, da graça de ter sido a ti reservada o privilégio de conhecer a vida e a benção de retornar ao reino dos céus - ao lado do seu criador e possivelmente,  de muitas pessoas queridas. O descompasso estrutural da ambivalência entre finitude e infinitude, morte e imortalidade, efêmero e eterno simplesmente desapereceu e, partir deste momento, apenas resta o conforto do descanso e a serenidade contínua da paz!
4- Por último, voce pode ainda apostar que Deus não existe, mas Ele existe.
      Aí você se deu extremamente mal meu colega! Infelizmente, você também irá conhecer a eternidade, mas com o desprazer de queimar para todo o sempre no fogo do inferno; sem possibilidades de reclusão, pois agora, não existe mais qualquer tribunal humano - e menos ainda advogados - para que você possa apelar para a revogação da sua sentença. Apenas lhe resta ser definitivamente consumido pelo pavor diante da escolha errada!
      Bom, segue-se daí, com certa clareza, as duas conclusões elementares de Pascal:
1- O atéismo não compensa em hipótese alguma. Trata-se basicamente de uma escolha demente, pois é preciso estar mentalmente prejudicado para apostar todas as próprias fichas na inexistência do criador (já que no limite, reconhecemos que somos todos criaturas, ou seja, em dado momento fomos criados, mas jamais podemos nos conceber como nossos próprios criadores).
2- Avaliando a relação "custo-benefício", então apenas vale a pena apostar na possibilidade da existência de Deus, pois o custo pago (a nossa frágil vida material) é muito baixo quando comparado com a possibilidade de ganho (a salvação e a beatude eterna da alma individual).
      Daí decorre a profundidade da análise psicológica de Pascal sobre os limites, a grandeza e a miséria da condição humana. É claro que uma relação religiosa qualquer entre um sujeito e a fé apenas pode ser assim reduzida (a um calculo tão instrumental) de uma forma um tanto cômica e através de um tom de brincadeira e descontração. Penso, sinceramente, que nenhuma pessoa séria seria capaz de alterar o rumo de sua vida (no sentido de suas apostas) apenas baseada em um argumento deste tipo, pois acho que isso soaria aos olhos do próprio Deus como um investimento demasiado egoísta, mesquinho e interesseiro (talvez, somente por este motivo, tal comportamento já deveria ser considerado indigno do merecimento de tal bem, prêmio ou recompensa concedida pela divindade).
     De qualquer maneira, considero o raciocínio justo e vale como um exercício interessante para qualquer reflexão filosófica ou psicológica sobre os infindáveis e constantes problemas colocados à subjetividade humana pela questões mais profundas de ordem metafísica.         

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