segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Freud: o enigma do conservadorismo revolucionário

Com relação a antipatia que Freud nutria em relação aos EUA, isso não impediu que a cultura americana incorporasse as suas premissas de maneira mais radical do que qualquer outro país da Europa. O individualismo e o ascetismo protestante ofereceram um ambiente altamente fértil para as "boas novas" freudianas - que por mais uma dessas ironias do destino, ele as equiparava a "peste".

Philip Rieff nos dá uma indicação curiosa sobre esse casamento tão "bem sucedido" - apesar de os neofreudianos recusarem seu filho, "o movimento da auto-ajuda", como se fosse um bastardo.

"Com Freud, o individualismo deu um grande passo, talvez o último: um passo na direção daquele sentimento maduro e calmo que provém de nada ter a esconder. O indivíduo não precisa mais manter uma distância segura da massa de seus camaradas. Na análise, desenvolvida como um processo social, ele será treinado de forma a minimizar a sua vulnerabilidade. O homem ocidental aprendeu com Freud a complexidade da técnica da externalização de sua internalidade, e foi finalmente capaz de fazer sair aquela multidão de sombras que insistia em que ele se voltasse para dentro, de modo a viver na luz brilhante e sóbria do presente onde, idealmente, o momento é sempre meio-dia. Isso não é isolamento, pois não mais restringe. Não é também mística da participação, pois a ação participativa nada tem de abnegada. Ao invés disso, a terapia social (da análise) e transforma todos os antigos objetos de compromisso em instrumentos a disposição do próprio processo terapêutico. [...} A ética de tolerância com as imperfeições (próprias e as dos outros) é a mais segura e apropriada para o uso na era do homem psicológico. No entanto, Freud sempre desconfiou dos estilos missionários, pois reconhecia que sua medicina não era salvadora; ele próprio jamais tentou vender sua doutrina, como fizeram muitos de seus sucessores, com ganho indubitável, com aquelas panacéias conhecidas como "auto-realização pessoal" ou "realização das próprias esperanças". Mas afinal, o que se adequaria melhor ao ideal analítico que a prevalecente devoção americana para com o Eu? Esse eu melhorado, é a preocupação última da cultura moderna".

Chegamos assim ao grande paradoxo, Freud, talvez o mais moderno entre os modernos, era um tradicionalista conservador; a psicanálise, no entanto, em termos de ação social prática, operou a verdadeira revolução do ocidente: aquela que separa e afrouxa definitivamente a relação do sujeito com o super-ego cultural, tornando-o livre das restrições pessoais que sustentavam a ética do mundo antigo.  

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